Chegando querendo sair
- Samuel da Rosa Rodrigues
- 31 de jul.
- 3 min de leitura
Reginaldo sempre teve o costume de sentar perto da porta. Quando pequeno, era fácil encontrá-lo brincando com os amigos. Na escola, era o primeiro a sentar assim que entrava na sala. Na vida adulta, seu lugar já era reservado perto da saída. E sempre foi assim, a vida toda.
A família brincava com ele.
— Reginaldo já vai chegando querendo sair.
Reginaldo se divertia inventando desculpas diferentes.
— Na verdade, como eu fico perto da porta, vocês nunca sabem quem tá saindo à francesa, fugindo da festa, indo pra perto da porta. É sempre o Regi. Quem quer sair tem que se anunciar. Ninguém escapa de fininho.
As pessoas adoravam a excentricidade dele e já puxavam a cadeira quando ele entrava no recinto, mas elas nunca imaginariam que aquele costume curioso escondia algo muito maior.
Quando pequeno, na escola, Regi foi designado um dia como "Guardião do Corredor". Era uma invenção da profe da sua turma, algo como Ajudante do Dia, e sua função era ficar cuidando se algum aluno estava matando aula ou se alguém precisava de ajuda. Os seus colegas brigavam pela função, até porque ela permitia eles matarem aula, mas a profe escolheu Regi naquele dia, justamente por ele já gostar de ficar perto da porta. E lá foi ele, com um crachá no peito com o seu nome escrito e um bloquinho com uma caneta colorida.
Depois de alguns minutos vendo o corredor se esvaziar depois do sinal, Reginaldo marcou no relógio os cinco minutos que tinha que esperar até poder voltar à sala. No silêncio sepulcral da escola católica, se viu acompanhado das estátuas dos santos que observavam as crianças crescerem. Até que um dos santos chamou sua atenção.
Tinha certeza que sua mão não costumava apontar para o fim do corredor. Quando chegou no final do corredor, a estátua de uma mulher que olhava para baixo voltava seus olhos tristes para a esquerda. Quando virou em direção do seu olhar, percebeu uma cruz caída no chão, que apontava como uma seta para o banheiro masculino. Quando se aproximou do banheiro ouviu uma profe falar na porta de uma sala.
— Ninguém viu o Pedrinho? Ele não voltou do intervalo. Deve estar matando aula.
Um vento frio abriu uma janela e Reginaldo soube que tinha que fazer algo.
Entrou no banheiro masculino que a cruz apontou e abriu todas as portas. Uma delas estava trancada. Gritou pelo nome da criança. Nada. Ficou de joelhos e viu os tênis coloridos do Pedrinho no vão da porta. Ele estava ali. Foi até o corredor e gritou por socorro, mas tinha que agir logo ou seria tarde demais.
Pegou a cruz que estava no chão, arrastou para o banheiro e com a pouca força dos seus 10 anos, bateu com ela na maçaneta da porta, até ela ceder. Quando os adultos chegaram, ele estava carregando Pedrinho, roxo, para fora do banheiro. O garoto tinha engasgado com uma bala e já tinha perdido a consciência.
Depois da ambulância chegar e as coisas se acalmarem, Reginaldo virou herói. Teria contado para todo mundo o que aconteceu, se a estátua que apontou para o corredor não estivesse agora com o dedo sobre a boca, indicando o trato silencioso que os dois tinham feito. Quando perguntaram como ele sabia onde Pedro estava, ele simplesmente respondeu.
— Ah, eu gosto de ficar cuidando das portas.
A partir daquele momento, um sexto sentido tomou conta de Reginaldo. Toda vez que alguém passava por ele na porta, um vento abria uma janela e dizia para ele liberar ou não a pessoa. Segurou muita gente que não voltaria para casa com uma conversa a mais, um bate-papo sem sentido ou simplesmente um abraço mais demorado. Mas ninguém nunca suspeitou daquela excentricidade dele.
Volta e meia, descobria o resultado que o seu atraso causou na vida da pessoa.
— Vocês acreditam que houve um acidente no meu caminho pra casa?
— Cinco minutos antes e eu tinha sido assaltado na entrada do meu prédio!
— Demorei pra sair e encontrei um amigo meu na rua que eu não via há anos.
Às vezes, sabia também o resultado de quem o ignorou.
— Bati o carro ontem na volta.
— Cheguei antes em casa e vi meu marido com outra.
— Vocês ficaram sabendo sobre o Mateus?
Reginaldo ouvia e dava de ombros. Quando conduzia cada um para o destino que o destino soprava no seu ouvido, só pensava em uma coisa: quem cuida de quem cuida da porta? Até descobrir isso, ele era só o Reginaldo. Alguém que tinha o costume de sentar perto da porta.

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