No Ritmo da Natureza
- Samuel da Rosa Rodrigues
- 7 de jul.
- 2 min de leitura
João ia para o trabalho com pressa olhando o celular quando parou na frente de um prédio e lembrou de algo. Na verdade, lembrou de ter esquecido de algo.
Como lembraria do que era? Colocou a mão no bolso. Tateou o corpo, passou a mochila das costas para a frente, abriu os bolsos laterais, esfregou a cabeça... E nada.
A sensação estava clara: tinha deixado algo para trás, mas isso era tudo o que sabia. Girou e olhou para o caminho de onde veio para ver se lembrava de algo ou retornava de vez. Até que ouviu uma voz.
— Esqueceu alguma coisa, né?
Um velhinho observava sua ação da janela, sentado em um quarto no térreo.
— Esqueci sim. Como você sabe? Você estava me cuidando?
— Não, rapaz, fica tranquilo. É que quando alguém para aí onde você tá, é batata, a pessoa lembrou que esqueceu alguma coisa.
— E desde quando isso acontece?
— Desde que cortaram uma árvore que ficava aí.
Um tronco grosso cortado perto do chão jazia sozinho na calçada.
— Aquela árvore era mágica. Ela protegia a cabeça das pessoas. Agora sem a árvore, sai tudo voando da nossa caixola. Não fica nada nos galhos.
Ele apontou os cabelos ralos bagunçados tentando fugir da própria cabeça.
— E a cidade tem cada vez menos árvore — João respondeu.
— A cidade tem cada vez menos vida! Olha esse céu, até a nuvem agora é no computador!
— E como eu lembro o que eu esqueci? Eu preciso correr trabalhar!
— Fica aí onde você tá. Imagina que tem uma árvore em cima de você. Tenta se conectar a sua memória. Às vezes funciona.
João guardou o celular no bolso e ficou parado. Imaginou a árvore mais linda que já tinha visto: o ipê amarelo do sítio dos seus avós. Lembrou da alegria das férias com a família. Um piquenique na sombra com os primos. O primeiro beijo na namorada, embaixo da árvore. O ipê perdendo as folhas e renascendo. E lembrou que o ritmo da natureza era perfeito por um motivo.
— Lembrou o que queria?
— Não — João respondeu ainda de olhos fechados — Lembrei do que eu precisava.
— Poxa, que bom que não deu certo então — o senhor sorriu com a voz.
Quando abriu os olhos, o velho tinha sumido da janela. E desde então João se atrasa todos os dias cumprimentando as árvores do caminho.








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