Esse não é o meu gato
- Samuel da Rosa Rodrigues
- 24 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de abr. de 2024
“Esse não é o meu gato.”
A foto do gato preto com manchas brancas chegou no celular de Cláudio com uma notificação fiasquenta. Olhou o preview da notificação, mas àquela hora e com aquele assunto, não precisava de explicações para saber de quem era ou do que se tratava. Respondeu Diego na hora.
“Porra Di, de novo? O seu gato vai trocar a fechadura se você seguir dormindo fora tantas vezes por semana!”
“Você dá comida pra ele, por favor?”
Mesmo digitalmente, era possível sentir a energia suplicante de Diego.
“Por favor?!?!?!”
Cláudio começou a digitar um textão com raiva. Quando decidiu morar perto dos amigos, não era pra virar babá do gato deles. Estava se tornando um abuso. Mas claro, não ia deixar o pobre do bichinho com fome por causa do dono. Apagou tudo.
“Sim. Já vou lá alimentar ele.”
Recebeu um emoji de joinha como resposta. Já era mais do que o normal.
Levantou da cama, vestiu uma bermuda, pegou a cópia da chave que guardava em uma caneca na cozinha e foi até o 305. Frederico começou a miar quando ouviu de dentro do apartamento as chaves se aproximando da porta.
— Já vou! Já vou!
O gato laranja silenciou quando a porta se abriu e ele percebeu que era Cláudio e não Diego.
— Eu sei, eu também ficaria decepcionado.
O apartamento estava uma bagunça, como de costume. Cláudio desviou de tênis jogados pelos cantos, brinquedos do gato, caixas de papelão, um caos que podia ser tanto de Diego como de Frederico, mas que tinha origem na ausência de um na vida do outro. Navegou com cuidado até a área de serviço e procurou a comida do gato. Frederico esperava ansioso aos seus pés.
— Pronto, pronto, come a ração que o seu pai desnaturado comprou pra você, come.
Sentou no sofá da sala enquanto esperava o gato comer. O apartamento de Cláudio tinha uma posição solar incrível. A sala inteira estava iluminada. Tentou imaginar por que o amigo trocava facilmente o conforto de casa pelo conforto de qualquer outro lugar. Será que o errado era ele? Como que concordando com seus pensamentos, Frederico veio em sua direção e se deitou de barriga cheia no facho de sol que entrava pela sacada e iluminava a sala.
— Bem melhor né, Fred? — Cláudio esperou o gato se ajeitar e fez uma foto — “Golden hour matinal na casa do vizinho” — falou a legenda em voz alta para Frederico aprovar. Ele miou concordando.
Postou o registro na internet e ficou deitado no sofá dividindo o sol por uns instantes com o gato, até que seu celular vibrou com uma notificação.
— Ó — mostrou o celular para Frederico — deve ser teu dono pedindo se você já comeu.
Olhou o preview na tela, como tinha feito minutos antes na mensagem de Diego. Era Jéssica. Aquela Jéssica. A Jéssica que não saía da sua cabeça há tempos. Ficou feliz por estar errado.
A mensagem era curta, mas efetiva.
“Ai, que lindo, não sabia que você tinha um gato!”
Quis o universo que a foto tivesse sido postada sem legenda. Claudio começou a digitar.
“Esse não é o meu gato”
Não. Era hora de ser esperto. Abriu a conversa com Diego.
“Di, tô levando o Frederico lá pra casa pra ele não ficar sozinho.”
Voltou para a conversa com Jéssica.
“Esse é o Fred! Ele ama conhecer pessoas novas, sabia?”
Frederico miou para ele quando ouviu o seu nome.
— Eu sei onde o teu dono guarda os sachês — o gato bocejou — me ajuda que eu te ajudo.

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